"Não era mole aqueles dias
De percorrer de capuz
A distância da cela
À câmara de tortura
E nela ser capaz de dar urros
Tão feios como nunca ouvi
Havia dias que a pirueta do pau-de-arara
Pareciam ridículas e humilhantes;
E, nus, ainda éramos capazes de corar
Ante as piadas sádicas dos carrascos
Havia dias em que todas as perspectivas
Eram para lá de negas
E todas as expectativas
Se resumiram à esperança algo cético
De não tomar pancadas e nem choques elétricos
Havia outros momentos
Em que horas se consumiram
À espera do ferrolho da porta que conduziam
Às mãos dos especialistas
Em nossa agonia
Houve ainda períodos
Em que a única preocupação possível
Era ter papel higiênico
Comer alguma coisa com algum talher
Saber o nome do carcereiro do dia
Ficar na expectativa da primeira visita
O que valia como um aval da vida
Um carimbo de sobrevivente
Em um status de prisioneiro político
Depois a situação foi até melhorando
E foi até possível sofrer
Ter angústia, ler
Amar, ter ciúmes
E todas as bobagens amenas
Que aí fora reputamos
Como experiências cruciais"
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